Eduardo Schamne: O discurso de ódio vestido de liberdade de expressão: as redes sociais e a democratização da intolerância


Assim nos garante a carta constitucional,  “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (Art.5º, IX CRFB/1988), de fato o reconhecimento constitucional da liberdade de expressão foi um importante avanço sociojurídico, dado o histórico brasileiro de censura durante a ditadura militar, entretanto, há de se pensar: A liberdade de expressão é ilimitada?

Antes de responder à pergunta propriamente dita, vamos nos debruçar sobre o porquê é tão importante a garantia da liberdade de expressão. Em uma primeira análise, pode-se afirmar que só podemos divulgar nossos pensamentos, posicionamentos, nossa fé, nossos desejos, anseios, críticas e assim por diante, porque nos foi conferida a liberdade de expressão, e, se fosse unicamente por essas razões, já valeria por si só, mas vamos além, a liberdade de expressão nos confere personalidade humana, ou seja, ela é um espectro formador do ser humano em termos socio-filosóficos – que não vamos aprofundar nesse momento- e talvez seja por isso que ela foi consagrada não só na Constituição Brasileira, mas também na declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. O direito à liberdade de expressão se configura, portanto, como Direito Fundamental do ser humano.

E o discurso de ódio? Pois bem, o que antes era “opinião forte” ou “posicionamento pessoal” agora ganha um nome mais específico e muito bem delimitado. Os juristas Tatiana Stroppa e Walter Rothemburg  conceituam o discurso de ódio como sendo “a divulgação de mensagens que difundem e estimulam o ódio racial, a xenofobia, a homofobia e outras formas de ataques baseados na intolerância e que confrontam os limites éticos de convivência com o objetivo de justificar a privação de direitos, a exclusão social e até a eliminação física daqueles que são discriminados.”

E as redes sociais? O que tem a ver? Vamos lá, a chegada da internet nos possibilitou e facilitou nossa vida em uma série de coisas, já não é mais necessário usar os correios para trocar informações, basta mandar um e-mail, não se precisa mais pedir para a telefonista fazer a ligação para você falar com a sua amada, basta mandar um zap, ou então pra que ir até o restaurante se você pode pedir um ifood? Nossa vida de fato mudou muito depois do WWW, mas,  infelizmente nem tudo são flores, pois, com a chegada da internet, abrimos brechas para que pensamentos outrora tímidos se encorajassem para serem propagados, e mais, a internet potencializou esse tipo de discurso, no sentido de que “deu palco para maluco dançar”.

Agora vamos juntar os elementos apontados até aqui: Liberdade de Expressão, discurso de ódio e redes sociais, alguns poderiam dizer que era uma tragédia anunciada, mas não sejamos tão pessimistas, em que pese o cenário não seja dos melhores. Em uma análise superficial pode-se pensar que “ora, se posso falar aquilo que bem entendo, logo, não há o que se falar em discurso de ódio, correto?” errado! Apesar da liberdade de expressão ter certa preferencia no mundo jurídico, ela não acolhe as expressões de ódio, e nem deveria, afinal, usar de um direito quase que sagrado, que por tanto tempo nos foi negado, para espalhar conteúdo atentatório contra a existência de determinados grupos não me parece nem de longe adequado.

Agora sim, respondendo à pergunta lá do começo, Não! A liberdade de expressão não é ilimitada, ela encontra seu ponto limítrofe quando é confrontada negativamente contra outros direitos fundamentais. Mas Edu, que diabo é isso? Vou explicar, a sua liberdade de expressão vai ser restringida quando você usar dela para atacar outra pessoa de maneira vexatória, cruel ou discriminatória, isso sem falar na indenização que você terá de pagar caso o faça.

Então como bom amigo que sou, vou deixar muito bem avisado e registrado aqui, vestir seu discurso de ódio como liberdade de expressão não te deixa impune dos rigores da lei, usar eu Facebook, WhatsApp, Twitter etc. para espalhar conteúdos discriminatórios, não te faz ter opiniões fortes, te faz um babaca.

As redes sociais possibilitam a nós mostrarmos o nosso melhor e pior lado, eu chamo essa potencialização dos discursos de ódio de democratização da intolerância, onde fulano, no auge da sua completa falta de empatia e conhecimento decide deliberadamente atacar ciclano, seja pela sua cor de pele, sexualidade ou religião.

Duvido que ao passar pelas suas redes sociais você nunca viu algum post atacando alguém, ou usando de passagens bíblicas para justificar o ódio contra gays, ou então falando mal dos cabelos afros, ou de sua religião e cor de pele.

Por fim, apenas ressalto que é preciso ter cuidado com o que escrevemos, falamos e nos posicionamos, a internet já não é mais terra sem lei, e Deus me livre de querer filosofar depois de tanto texto, mas, para que tanto ódio? Pensando nisso, deixo uma reflexão do majestoso autor brasileiro, Guimarães Rosa, “Viver para odiar uma pessoa é o mesmo que passar uma vida inteira dedicado a ela.” Se cuidem, se puderem fiquem em casa, e semana que vem tem mais!

Com amor e um pouco de ansiedade, Edu.

Contato: eduschamne@gmail.com

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do Matéria Pública.


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