A dúvida


Acho que todo mundo que escreve com certa frequência deve passar por isso. Sobre o que escrever?! Pode ser poesia, contos, textões no Facebook. Creio que a dúvida sempre bate, uma hora ou outra. Por isso, obviamente, meu hiato por aqui. Passei muitos dias pensando que talvez as pessoas esperem que eu fale mal do governo, claro que motivos não faltam, ou que faça um texto que inspire, motive as pessoas. Mas o momento é tão estranho que já não sei se esses são mesmos assuntos relevantes. Os governos, as gestões, são vergonhosas, mas não é de hoje, e sempre haverão os que não enxergam e os que defendem, ou por também não perceberem a imundice ou por fazerem parte dela. E inspirar as pessoas... com o que exatamente?! Falando de como eu que nasci branca, com uma família minimamente estruturada, com material e apoio para estudar consegui criar consciência crítica e agora posso opinar sobre vários assuntos, inclusive a gestão da cidade?! Inclusive sobre a vida das pessoas e encorajá-las a seguirem em frente, a serem fortes, a acreditarem nelas?! Não quero ser eu a continuar a fazer esse desserviço à humanidade. Então talvez possa falar um pouco sobre o que venho tentando aprender e entender, ainda do alto dos meus privilégios. Não somos iguais, não temos as mesmas oportunidades, não reagíamos da mesma forma aos acontecimentos. Negros têm menos oportunidades, desde o nascimento, desde que chegaram escravos por aqui. Negros pobres, menos ainda. Mulheres negras pobres, quase nenhuma. LGBTQIA+. Pessoas com deficiência. E aposto que sua cabeça já está pensando: ih, lá vem com essa frescura. Por isso digo que são tempos estranhos. Por isso fico sem assunto. Qual o sentido de um Coaching branco, heterossexual, dando dicas de como ter uma vida plena no Youtube para um Venezuelano, para o Haitiano gay, refugiado que está morando na nova ocupação no Fazenda Velha?! Pra quem serve?! Que serviços os governos estão levando até essas pessoas?! Sim, são pessoas, consumindo na cidade, trabalhando. E não adianta pedirmos brinquedos para as “crianças pobres” no Natal se não enxergamos que elas são os filhos e filhas de pessoas vivendo em situações insalubres aqui ao lado. O asfalto ainda não chegou a frente de sua casa e o exame que pediu no Posto de Saúde ainda não saiu. Pense o que ainda não chegou a essas pessoas. Não tem água. Não tem banheiro. A luz é um “gato”. As frestas entre as tábuas são enormes. E o que o governo não entregou pra mim?! Pois que não entregue. Pensar positivo?! Pois que pense eu, essas pessoas que encontrem um mínimo de dignidade para seguirem suas vidas até o fim, e que a alegria delas não seja o brinquedo mais barato que você achou pra comprar pra ficar tranquilo com sua consciência por ter feito sua caridade de Natal. Ando pensando que pra mudar o mundo, pra mudar a cidade é necessário mudar a gente. E que pra todo mundo poder pensar positivo é preciso saneamento básico, sarrafo na parede, comida no prato e uma mão sincera pra segurar.

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do Matéria Pública.

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