Entenda-me se for capaz: a volta das coligações

(Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

“Chega perto… Mais perto… Porque quanto mais você pensa que vê, mais fácil vai ser te enganar”. A frase dita pelo personagem J. Daniel Atlas, interpretado pelo ator Jesse Eisenberg, no filme Truque de Mestre (2013) pode muito bem ser usada para entender a política brasileira, principalmente as reformas eleitorais. O alvoroço causado pelo famigerado Distritão, foi o que os ilusionistas chamam de uma grande distração. E por quê distração? Porque a ideia nunca foi aprovar o distritão, mas sim usá-lo como cortina de fumaça e/ou instrumento de extorsão para passar outra reforma importante para os partidos: a volta das coligações.

Para entender um pouco melhor a situação, é preciso voltar para 2017 e entender o fim das coligações. Naquele momento, era quase um consenso que o sistema partidário deveria ser reformado. Desde o meio dos anos 90, houve um aumento significativo dos partidos políticos, sendo a maioria partidos de oportunidade, que surfavam nas brechas e incentivos que o sistema oferta. Desta forma, o País chegou a absurdos 30 partidos, que não representam 30 visões de mundo. Bem na verdade, várias legendas só representam o interesse do cacique. Naquele momento, era extremamente vantajoso montar um partido, coligar com alguém, receber e barganhar o tempo de TV, utilizar o fundo partidário, enfim... o sistema dava incentivos para criar partidos e ferramentas para que eles tivessem condições de sobreviver, porém era inviável manter isso. Várias crises e dificuldades para promover reformas, por exemplo, travavam nos vários partidos, principalmente nos menores. Esta instabilidade não agradava mais ninguém, e o necessário era reformar.

Diante do cenário, o Congresso fez duas reformas importantes para a diminuição dos partidos: a cláusula de desempenho e o fim das coligações. Sobre a cláusula de desempenho (ou cláusula de barreira), em linhas gerais, é possível sintetizar da seguinte forma: é uma regra que impedirá os partidos, que não atinjam uma proporção mínima de votos ou eleitos em diferentes Estados, a terem acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de programas eleitorais no rádio e na TV. Esta cláusula, além de “secar” os recursos com o passar do tempo, obriga os partidos a melhorarem sua organização. Entretanto, para que houvesse um enxugamento maior, incluíram o fim das coligações. Sem as coligações, o partido teria que ter organização e estrutura para fazer uma ou mais cadeiras sozinho, o que não é fácil. Desta forma, diante de um cenário onde o partido não consiga adaptar-se, pode-se ter o seguinte cenário:

Resultados eleitorais ruins > Menos recursos > Menos incentivos para atrair bons candidatos > Resultados eleitorais piores.

Sendo assim, a junção do fim das coligações com a cláusula de desempenho gerou um ambiente onde, com o passar do tempo, vários partidos deixariam de existir e, de fato, isso já ocorreu: O antigo PHS, fundiu-se com o PODE, assim como PPL fundiu-se com o PC do B. Partidos como a REDE, PV e Cidadania, vez ou outra, aparecem em manchetes de jornal ensaiado uma fusão. O fato é que, sem organização e colaboração, os partidos deixarão de existir e isso seria extremamente saudável para nossa democracia, porém aqui também tem um truque que será abordado adiante.

Caso as coligações voltem, este cenário muda consideravelmente. Um partido menor, pode não ter mais tempo de TV ou fundo partidário, porém pode barganhar sua legenda de diversas formas: trocando favores; acolhendo grupos políticos suprapartidários; entrando em uma coligação somente para fazer volume, enfim, ainda há sobrevida para estes partidos. Além destes pontos, um partido pequeno pode acolher uma figura conhecida e lançar só este candidato, que em uma coligação acabará saindo vencedor, mesmo que a população não vote diretamente nele. E aqui, cabe um ressaltar um ponto extremamente negativo das coligações: elas não são feitas de forma ideológica e sim de ocasião. Desta forma, vota-se em um candidato de centro-direita e o voto pode eleger um candidato de centro-esquerda e vice-versa.

Além destes pontos, é preciso observar o ilusionismo de 2017, pois antes daquele ano eram permitidas coligações, porém não existia o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). O FEFC também foi um grande truque da classe política: ao passo que criaram a cláusula de desempenho e o fim das coligações, criaram um fundo para sustentar os partidos que não conseguissem atingir a cláusula de barreira. Um truque que nem David Copperfield faria com tanta maestria, visto que, grande parte das pessoas não sabem a diferença entre Fundo Eleitoral e Fundo Partidário, o que facilita a desinformação. Desta forma, a volta das coligações “turbina” os partidos menores e mostra que quanto mais tentamos entender, mais somos enganados.

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