O preço da inocência

O frio chegou por aqui, casacos, toucas, luvas, lareiras, fogões a lenha, vale de tudo para tentar se aquecer durante esse período de baixas temperaturas. Infelizmente em alguns casos não é possível se aquecer, especialmente quando o frio vem de dentro para fora. É nesse sentido que inicio a reflexão de hoje.

Um inverno permanente se instalou em nossos corações de tal forma que congelou a capacidade de sentirmos empatia pelo próximo, nem mesmo uma menina de 10 anos escapou de nossos julgamentos.

Para resumir a história, durante a última semana uma menina de 10 anos precisou sair de sua casa no Espírito Santo e ir até Recife (PE) para realizar um aborto após ser estuprada PELO PRÓPRIO TIO. A menina que estava grávida de 22 semanas enfrentou não só o medo de perder a própria vida, mas precisou enfrentar grupos que a chamavam de assassina na entrada do hospital onde realizou o procedimento

Ahhh..... nem o calor pernambucano foi capaz de esquentar o coração daquelas pessoas. Informações preliminares apontam que a menina sofria estupros desde os 06 ANOS DE IDADE. O “tio” já foi localizado e está preso, aliás ele já disse para “fazerem exames no avô e no outro tio da menina também”, apontando que ele não era o único que abusava da criança.

Não consigo imaginar o estado mental dessa menina, onde, não bastando anos de estupro ainda foi subjugada como uma “assassina aborteira” por parte da sociedade. A criança que é apaixonada por esportes não via “a hora de voltar logo para jogar futebol” e ressalta-se que era exatamente o que ela deveria estar fazendo, sob a proteção de sua família e do Estado, ela deveria apenas estar estudando e investindo seu tempo em longas tardes de brincadeiras.

Há poucas semanas eu escrevi uma coluna sobre o perigo que as crianças estavam correndo durante essa pandemia, onde, longe do ambiente escolar, os casos de abuso e exploração sexual poderiam saltar. No texto ainda fiz um alerta, “E você mamãe, papai e/ou responsável que leu até aqui, observe o comportamento do seu filho(a), não os deixem sozinhos com ninguém, se forem crianças um pouco menores, não os deixem ficar no colo do “titio” do “vovô”,  ensinem a eles que ninguém pode os tocar, só o papai e a mamãe. São medidas que podem parecer exageradas, mas os dados expostos até agora provam o contrário, o perigo está dentro de nossas casas, não permita e nem dê chance para que seus filhos e filhas venham a fazer parte dessas tristes estatísticas.” Algumas pessoas acharam exagero, que eu estaria apontando dedos. Pois bem, como pesquisador que sou, não faço falsos apontamentos, eu analiso estatísticas dentro de um contexto lógico dedutivo, o que me permite chegar a algumas conclusões como essas, então eu refirmo, o perigo mora dentro da sua casa.

Um dos profissionais que atendeu a menina disse que ela apertava um ursinho contra o peito, chorando muito e dizendo não querer um filho”. Pergunto a vocês, quanto custa a inocência? No caso dela custou 4 anos de estupros cometidos pelo tio e possivelmente pelo avô também; custou ser chamada de assassina por grupos conservadores; custou ter que trocar de IDENTIDADE e de endereço. O quanto ainda estamos dispostos a pagar pela inocência das nossas crianças?

O caso dessa menina expõe tantos fatores ineficientes em nossa sociedade. O preço da inocência se constitui na nossa milionária ignorância, onde sobre nada se fala, tudo se impõe. Precisamos falar sobre o aborto, precisamos discutir sobre a educação sexual, é necessário que se dialogue sobre políticas públicas o papel da religião. Diariamente nós pagamos o preço pela nossa falta de debates. Decidimos não discutir sobre política, futebol e religião, e, pela falta de conversa, estamos perdendo nossas perspectivas de humanidade, a ponto de transformar a vítima de um crime terrível em uma assassina.

Eu iria colar aqui os comentários que fizeram dizendo que “a menina estava gostando” ou então “que ela já tinha idade para saber o que estava fazendo”. Decidi não o fazer, porque essas pessoas merecem o esquecimento, a reprovação e a lata de lixo da história. Convido todos e todas para o diálogo, para o debate, para o exercício da cidadania. O inverno dos nossos corações ainda pode passar. Spring is coming.

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do Matéria Pública.


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