Como todos já sabem, uma criança de apenas 10 anos vinha sendo abusada sexualmente (estuprada) pelo próprio tio, e pelas informações divulgadas na mídia até o momento, isso vinha ocorrendo desde os seus 06 anos, resultando recentemente em uma gravidez. Porém, não se trata de uma gravidez comum, e sim de uma gestação indesejada, uma gestação forçada através de um estupro, e segundo o próprio tio no momento de sua prisão, o pai do feto poderia ser tanto ele, como um outro tio ou, até mesmo, o avô da criança.
Pautando-se nos fatos e nas determinações estabelecidas
legalmente, é possível realizar a interrupção desta gravidez? Sim! Tanto que o
Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1.940) determina desde
sua promulgação que a gravidez pode ser interrompida em três situações específicas:
quando a gravidez é fruto de um estupro
(relação sexual forçada), neste caso a interrupção se houver consentimento da
gestante ou de seus pais ou responsáveis no caso de ser incapaz (menor de idade
ou com alguma outra incapacidade para tomar decisões); apresentar risco de morte para a
gestante; bem como, quando o feto
for anencefálico (não possuir cérebro), essa hipótese sendo permitida
através do julgamento da ADPF 54 pelo STF. No entanto, esta mesma legislação define
que tais procedimentos só podem ocorrer com a intervenção de um médico, sendo
proibida a prática por qualquer outro tipo de profissional ou cidadão comum.
Neste caso em específico, se vê claramente uma das hipóteses
em que o aborto legal é permitido e, consequentemente, não é considerado crime contra a vida humana. Tanto
que já foi realizado com permissão da justiça, uma vez que se encaixava nas
regras que a lei impõe. Porém, como todos também já sabem, houveram protestos
para que a menina não fosse submetida a este procedimento, em grande maioria se
encontravam os fundamentalistas religiosos, que utilizando da palavra em nome de
Deus, rotularam essa pequena garotinha de assassina, não entendendo que a
criança gerada no ventre de outra criança era fruto de um estupro, de uma violência
sexual. Algo extremamente cruel e desumano!!!
Ocorre que, conforme meu amigo Eduardo Schamne cita, “nem o
calor pernambucano foi capaz de esquentar o coração daquelas pessoas”, estas,
que por sua vez, se reuniram em frente ao hospital apenas com a intenção de humilhar
e condenar uma criança, mas não de promover o cuidado, o amor e a
solidariedade. Aliás, seres que se dizem
“humanos”, mas que não levaram em consideração que a infância desta menina foi
roubada, e seus direitos violados e negligenciados pela família, Estado e
sociedade.
Perante os fatos, me dei conta que realmente, a realidade
não é para os fracos!!! Imaginei ver multidões protestando pela prisão do tio
acusado de estupro, mas percebi, principalmente nas redes sociais, o contrário.
Na realidade, essa situação serviu para nos mostrar várias coisas, como por
exemplo, quem realmente se importa com a vida, quem ainda pode ser chamado de
“HUMANO”, quem ainda consegue se colocar no lugar do outro e notoriamente, quem
garante direitos, respeita, zela e protege a infância e a adolescência em nossa
sociedade.
Desta forma, é preciso levar em consideração que o que rege
este país são as leis, e se as mesmas permitem o aborto em casos específicos,
não há motivos para se revoltar quando uma vítima de estupro quer arrancar dela
as lembranças, as cicatrizes e as marcas de um trauma. Além disso, acho
inconcebível que ainda seja necessário entrar via judicial para solicitar a
interrupção de uma gravidez, mesmo que seja amparada pela lei. Creio que o
incentivo ao desenvolvimento mais aprofundado do atendimento humanizado pelos
profissionais da saúde quando se deparam com uma vítima de estupro, seja mais
eficaz do que uma ação judicial.
Tenho uma irmã que hoje está com 10 anos de idade, se fosse
ela no lugar daquela pequena vítima que hoje é chamada de assassina, eu não
ligaria de ser chamado de coautor ou cúmplice do crime, muito menos reclamaria
de ser linchado e escrachado na rua, pelo fato de ter permitido que fosse
interrompida a gravidez. Mais vale uma gestação interrompida do que o trauma
sendo carregado nos braços, pois é inadmissível seres humanos declararem em
redes sociais que uma criança de 10 anos “gostou de ser estuprada, pois nunca
havia denunciado para alguém”.
Lembrem-se: Aborto legal e gratuito é direito de toda
mulher, então, cabe a sociedade como um todo, apoiar esta causa!
Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do Matéria Pública.
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